domingo, 13 de dezembro de 2009

Sobem-se as cortinas; acendem-se as luzes; começa o espetáculo!...

A cortina sobe; o espetáculo começa! E as bailarinas entram pela porta lateral como que saltitando no próprio ar, rodopiando numa confusão de cores e sentimentos, voando como helicópteros coloridos em um mundo de sonho e doce ilusão. Cada salto leva junto o coração do publico, que sobe com a bailarina; o sorriso em seu rosto nos lembra de uma vaga lembrança, um simples sorriso, que demos em algum momento de nossa infância. As luzes se apagam; saem às bailarinas. O público aplaude a dança enquanto espera ansioso o próximo show a vir.

E então uma surpresa: por onde saíram as doces bailarinas vêem-se dançarinos vestidos de selva entrando furtivamente. Seus olhares hostis e suas expressões primitivas a principio nos parecem estranhas, até mesmo selvagens. - Não entendemos aquilo que não conhecemos - Mas aos poucos a magistral dança a nossa frente nos faz entender o grito e a revolta daqueles homens vestidos de mata - de África! - em seu protesto por um lugar num mundo aparentemente civilizado. Onde antes víamos olhares selvagens, agora podemos ver uma alma nobre de alguém feito pela natureza e ameaçado pela civilização, pela exploração, por aquilo que os capitalistas chamam de “progresso”. Nos comovemos com seus gritos, com suas danças fortes e vorazes, seus corações apaixonados suplicando por um pouco de liberdade nesse mundo de dor e exploração, tentando sobreviver em meio à selva que virou o mundo de hoje. Os gritos se aquietam, os dançarinos saem tão furtivamente quanto entraram, como num sonho intenso e breve, deixando o publico perplexo, tentando entender o que aconteceu, se perguntando quem eram aquelas pessoas, de onde vieram.

Em um canto do palco uma fada aparece como que de repente. Seu vestido azul claro balança de forma alucinógena em meio ao raio de luz que a circunda. De repente todas as luzes se acendem e outras fadas acompanham a primeira, em seu passeio pelo palco; passeio como que passageiro, leve e despreocupado, em meio a um jardim de corações humanos. Elas passeiam mais um pouco, o publico voa junto com elas, e então elas saem por uma porta lateral, tão de repente quanto entraram. Tudo se cala, as luzes se apagam, e o silencio deixado pelas fadas só é quebrado pelas palmas fervorosas da platéia.

E no meio do silencio absoluto ouvem-se hélices de helicóptero e tiro ouvidos ao longe. As luzes se acendem de repente e soldados enfileirados entram apressadamente, prontos para a batalha, jurando defender seu pais e sua família mas prontos para morrerem por seu general. Suas expressões são duras e rígidas, numa disciplina militar perfeita; numa determinação em vencer a guerra a qualquer preço. Mas junto com toda essa rigidez vemos também em suas expressões o desespero e os apelos daqueles que vivem na guerra; que imploram por um pouco de paz; que acordam todos os dias na esperança de um breve tempo de paz com a família e os entes queridos. Vemos seu apelo em cada movimento; cada grito de forçada coragem; cada expressão vazia e apavorada. Eles nos olham rígidos mas no fundo nos pedem ajuda. Saem em uma organização perfeita, da mesma forma como entraram, deixando o publico pensativo, tentando entender a alma daqueles que matam e morrem todos os dias. Mais uma vez as luzes se apagam.

Quanto o palco se ilumina novamente fantasmas entram vestidos em camisolas brancas, gritando de agonia e de dor. Seus movimentos parecem desajeitados e sem sentido; seus rostos demonstram dor e sofrimento provindos de um sentimento contido por muito tempo em seus corações. Uma loucura inimaginável se vê em seus olhos, loucura essa que lhes guia em um caminho tortuoso e perigoso, rumo à tristeza e a solidão, de onde não há volta nem escapatória. Estão mortos há muito tempo, e seus corpos servem de fantoches a um maestro fantasma, vestido de fraque, que entra para guiá-los naquela dança de desespero e angustia, que é o destino daqueles que enlouquecem e são esquecidos pela sociedade. O maestro balança os braços violentamente enquanto os fantasmas de loucura seguem seus movimentos com o corpo e com a alma. Estão perdidos! Para sempre estarão enquanto estiverem sozinhos e esquecidos, entregues a aquela musica de medo e desespero. Os gritos vão morrendo aos poucos em meio ao silencio, mas nem por isso são menos assustadores. Quando a escuridão se apodera novamente do palco, os gritos já não são mais ouvidos, mas continuam sussurrando nos corações da platéia, cuja alma abalada sente piedade e comoção para com a loucura dos fantasmas. Não há palmas dessa vez, só silencio!

Mas em meio a toda a tristeza um som típico de palco começa a nascer, impregnando-se na alma dos espectadores e substituindo aquele ar pensativo de loucura por uma euforia alegre e tipicamente Hollywodiana. É Moulin Rouge que começa agora, e os elegantes homens de fraque a cartola entram acompanhados pelas belas dançarinas com pluma nos chapéus. O típico ar de Broadway toma conta do palco e dos corações humanos assistentes. Aquela emoção, beleza e luxuria passa a cativar e despertar os sonhos de todos ali presentes. Desde o can-can até as poses elegantes dos dançarinos, tudo parece coisa de cinema; um sonho que todos gostaríamos de ter vivido algum dia, uma vida que todos desejaríamos; uma dança que nunca gostaríamos que acabasse. Todos, dançarinos e bailarinas, distribuem piruetas e poses estilosas para todos os lados. A platéia acompanha a bela mulher no centro do palco, com vestido vermelho e lábios ardentes a chamar cada um para dentro de si, numa tentação irresistível e irrefreável. Todos dançam ao redor dela, e todos parecem fazer de tudo para exaltá-la. Com um aceno de mão ela chama todos a desfilar por entre o palco, num ultimo adeus ao respeitável publico. As plumas das dançarinas acenam graciosamente; os elegantes cavalheiros levam a mão à cabeça e retiram a cartola num gesto de cortesia e adeus. E assim, seguindo fiel e graciosamente a dama vermelha, todos saem do palco distribuindo acenos e sorrisos, como num sonho bom que esta prestes a terminar.

A platéia parece ser levada junto com eles; em seus corações todos imploram para serem levados para aquele lugar em que a dança nunca acaba, a cortina nunca se fecha, e a musica é sempre alta e contagiante. Mas aos poucos todos percebem a musica se abaixando, as cortinas vagarosamente se fechando, e o palco vazio como eles temiam que uma hora ficasse. Mas em seus corações, os bailarinos ainda dançam elegantemente, os fantasmas ainda gritam por socorro, os soldados ainda entoam seu hino por liberdade, às fadas ainda voam despreocupadas e os homens vestidos de mata ainda passeiam furtivamente pelos cantos obscuros do pensamento, e no meio de tudo isso uma bailarina dança sozinha num palco escuro e sem platéia, movida unicamente pela lembrança do espetáculo que temporalmente se acabara. Nos corações daqueles que ali presenciaram, a dança nunca pararia, a musica sempre tocaria, pois aquilo já estava irremediavelmente impregnado neles. Não importa que as cortinas tivessem que fechar, ou que as luzes tivessem que se apagar; o show tem que continuar...

baseado no espetaculo "Hipérbole", da Academia Eliane Indiani, realizado nos dias 11 e 12 de dezembro no Teatro Metropóle (Taubaté-SP)

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